quinta-feira, 23 de junho de 2011

4 patas

e um coração do tamanho do mundo. Assim eu classifico meu amigo de infância, aquele que corria na grama da praça comigo aos domingos e cheirava meus pés freneticamente quando eu chegava em casa da escola.

Quando eu era criança, ele era o irmãozinho que eu nunca tive. Complicado para um cãozinho ser o companheiro de uma fedelha chata e carente. Mas ele conseguia. Brincávamos até a exaustão e, quando já estávamos acabados, nos jogávamos no tapete da sala e ficávamos lá... Até cochilarmos um ao lado do outro.

Tenho boas memórias dele. Sempre que eu estava triste, ele vinha e ficava ao meu lado. Quase sempre, ao ir passear com ele, eu ficava conversando com uma amiga que morava ao lado do meu prédio. Sentávamos na escadinha em frente à casa dela. Em meio às nossas risadas, ele ficava deitadinho lá, sentindo o vento passar por suas orelhas...

Ele me viu crescer, largar as xuxinhas e usar os cabelos soltos. Me viu, por vezes, trocá-lo por meus amigos. Que amiga ingrata eu fui. Ao chegar da escola estressada, muitas vezes mandei ele ficar quieto e deixar meus tênis em paz. Quando ele vinha brincar comigo, eu dizia "Sai Baby, tô ocupada!" Eu ainda amava ele, mas de um jeito diferente. Um jeito que não correspondia mais a todo o carinho que ele me dava, eu sei...

Ao perceber isso, parei para pensar. Que tipo de amiga eu era?! Meu cãozinho, meu filho, meu amigo já estava envelhecendo. O tempo passou tão rápido e, quando "acordei", ele já estava velhinho e cego, precisando de mim para guiá-lo ao passear. Ironias da vida. Antes ele que me levava, cheio de energia, pelas ruas atrás de qualquer poste que se mostrasse interessante.

Toda manhã, até o alto dos seus 12 anos de idade, dormia à porta do meu quarto e, quando eu acordava, era sempre o primeiro a me dizer um "bom dia". Do jeito dele, claro.

Até que o dia que tentei evitar por tanto tempo chegou. Era madrugada de uma segunda-feira. Ele estava muito fraco, respirava com dificuldade e chorava muito. Eu estava com o coração na mão, não sabia o que fazer, me sentia impotente. Tentava fazer tudo o que estava ao meu alcance, mas não era o bastante. Após uma série de convulsões, ele tinha perdido o movimento dos membros, não se levantava, não conseguia comer... Era a pior sensação do mundo vê-lo daquele jeito, fora de si, sem responder aos meus chamados.

Ele chorava de dor e eu, de desespero. Eu precisava dormir, mas sempre que eu saia do lado dele, ele chorava tão alto quanto podia. Foi o pedido de socorro mais desesperado que já recebi em toda a minha vida.

Minha prima, ao nos ver naquela situação, disse pra eu ir dormir, que ia ficar tudo bem. Dormi com as lágrimas secando em meu rosto... Ao amanhecer, levaram-no ao veterinário e eu fui para o colégio. Quando cheguei em casa, minha avó estava com uma cara estranha, meio "Não sei como te falar isso..." Entendi o que havia acontecido. Não consegui chorar. Acho que me despedi dele nessa madrugada, colocando todas as minhas lágrimas para fora, relembrando-me de todos os momentos que passamos juntos.

Quando chegaram em casa, minha mãe e minha prima contaram o que aconteceu. Ao chegar na clínica e fazer alguns exames, constataram que ele estava com cinomose. O fato de ele já ser idoso e diabético agravou a situação. Receitaram um medicamento, até aí tudo bem. Voltando para casa, ele estava ofegante e chorando bastante. Segundo minha mãe:

"Ele tava no meu colo. Quando estávamos no elevador, ele deu um último suspiro e fechou os olhos..."

Ela, que detestava cachorros e brigava todo dia com o Baby. Foi nos braços dela que ele morreu.

Hoje, meses após a perda, consigo lembrar dele com carinho. Sinto falta de coisas pequenas, como dos latidos irritantes a um tocar de campainha, ou do seu hálito no meu rosto. Passando o tempo que for, nunca vou esquecer dele, o meu cãozinho, o amigo que está em quase todas as lembranças que tenho da minha infância. O amigo que foi fiel à mim até a morte.

Baby: 1998 - 2010